Essa foto é de Jane McGonigal, uma pesquisadora e game designer americana que acha que os jogos podem mudar o mundo. Entre outras coisas, ela escreveu um livro chamado Reality is Broken, onde defende que devemos reinventar a realidade de modo que ela nos faça felizes como os jogos nos fazem felizes. Para isso, propõe que consertemos o mundo real para que ele nos dê o prazer que o mundo virtual nos dá.
Deixando de lado bastante de um livro agradável de ler, a terceira maneira de consertar o mundo é “Comparado com jogos, realidade é improdutiva. Jogos nos dão missões claras e trabalho satisfatório”. Jane continua: “trabalho satisfatório sempre começa com duas coisas: um objetivo claro e uma sequência de ações para alcançar o objetivo”.
A ideia básica é que produzimos menos no mundo real do que produzimos nos jogos, e isso acontece porque os jogos nos dizem claramente qual nosso objetivo e que passos devemos tomar para alcançar esse objetivo. Não existem segredos ou dúvidas. Isso acaba tendo relação com sensações prazerosas, como a sensação de dever cumprido ou a sensação de ter mudado alguma coisa no mundo. Sabendo onde vamos chegar, e conhecendo cada passo, podemos reconhecer que realizamos algo e isso nos deixa felizes.
Uma das características de vários jogos que tem relação com missões e passos são as “quests”. Se você já jogou um RPG, eletrônico ou ao vivo, está acostumado com esse nome, que significa uma missão ou desafio específico que você decide (ou é obrigado) a realizar, normalmente visando uma recompensa final, como a melhoria do seu personagem ou uma nova arma mágica. As “quests” dos jogos de maior sucesso, como World of Warcraft, são bastante claras: você deve fazer isso, depois aquilo, mais aquilo outro e, normalmente, voltar a quem passou a quest para conseguir sua recompensa.
É importante notar que uma das vantagens dos jogos sobre a realidade é que ao realizar sua missão, você sempre sabe em que ponto está e quanto falta. Esse feedback imediato mantém o jogador satisfeito com o seu progresso.
E o que Scrum tem com isso? Bom, uma das principais características do Scrum é justamente a organização Sprint‑Histórias‑Tarefas. Compare com um jogo: fases, quests e passos para completar a quest.
Isso significa que adotando Scrum, você está seguindo o conselho de Jane e melhorando a realidade. Mas por quê?
Cada Sprint mantém um objetivo viável, que a equipe pode alcançar em um curto espaço de tempo. Cada história e tarefa aprofunda essas características. Como em um jogo, você recebe o feedback positivo das vitórias (e o negativo das derrotas) imediatamente. Você é capaz de entender, se não medir, o progresso em uma história e em direção ao sucesso da Sprint.
Isso nos leva a entender que Scrum não é só uma mudança na forma como atendemos nosso cliente, mas também uma mudança de qualidade de vida para a equipe. Ao contrário do ritmo frustrante do “ainda falta muito” que mais tarde é substituído pelo “estamos atrasados”, uma equipe Scrum bebe o néctar do “completamos mais uma fase” e “estamos quase chegando lá”, duas sensações muito mais prazerosas e incentivadoras do que a primeira.
E quando o Sprint “dá errado”? Ainda assim, estamos no caminho certo. Basta analisar o que fazemos quando não conseguimos completar uma fase em um jogo. Jogamos o jogo fora, desanimados, ou tentamos com mais afinco? Na grande maioria dos casos, a derrota nos jogos eletrônicos nos estimula ainda mais, e já há pesquisadores interessados nessa “sensação de derrota feliz”.
Para implementar plenamente o Scrum, e as idéias de Jane McGonigal, é preciso que esse trinômio Sprint-História-Tarefa sirva de incentivo. Para isso, é importante que a Sprint tenha um objetivo. Imagine jogar uma fase de um jogo onde você não sabe o que deve fazer, estranho não? Depois é preciso que todas as histórias estejam claras. A equipe deve saber exatamente qual é a missão que deve cumprir naquela história e qual vai ser a recompensa (ou seja, como o sistema vai melhorar, qual o valor agregado). Finalmente, as tarefas devem estar bem definidas e mostrar claramente um passo a passo na direção de completar a história.
Trazer aos desenvolvedores o mesmo espírito que um jogador tem dentro de sua realidade virtual não é muito difícil. Normalmente nós gostamos e nos orgulhamos do que fazemos. Tendo objetivos claros, missões específicas e receitas definidas para essas missões, podemos nos preocupar com o que mais nos atraiu a essa profissão: resolver os desafios de implementação. É ou não é um jogo emocionante?
Ao contrário do que pensamos, não vamos ficar felizes se pararmos de trabalhar. O senso de realização é importante na nossa felicidade. O problema é o trabalho sem sentido, aquela coisa de sentar na frente da mesa e não ter um objetivo real. Se você pode procrastinar, significa que seus objetivos estão mal definidos.
Verdade, tenho saudade do tempo em que trabalhei num projeto com Scrum. Realmente, sentia essa sensação de estar sempre no modo missão crítica. Era aquele tipo de pressão bem saudável, que é mais motivante que estressante.