Ao analisar o Scrum podemos nos perguntar que conceitos reconhecidos nas técnicas de gerência de projetos estão incluídos, mesmo que de forma implícita, para tentar entender por que um método com tão pouca estrutura funciona tão bem.
Aproveitando a leitura de "Conversations For Action and Collected Essays: Instilling a Culture of Commitment in Working Relationships", uma coleção de artigos não publicados de Fernando Flores editados por sua filha Maria Letelier, podemos entender melhor algumas de nossas práticas. Flores é um pesquisador e empresário na área de coordenação de trabalho. Suas teorias foram aplicadas em vários produtos de diferentes empresas. Entre suas motivações está melhorar os processos de gerência.
Uma de suas teses é que quando estabelecemos uma conversação para que uma pessoa, o cliente, obtenha um serviço de outra, o executor, devemos passar por quatro atos de fala: o pedido do cliente, a promessa do executor, a entrega pelo executor e a aceitação pelo cliente. Apenas quando passamos por todos esses passos um trabalho está completo.
Os problemas de gerência acontecem quando esses dois atores e quatro atos de fala não são claros ou não são feitos:
- clientes e executores mal definidos,
- pedidos mal feitos,
- promessas não cumpridas,
- entregas não informadas e
- aceitações não executadas ou postergardas (para quando é tarde demais para refazer o serviço não conforme)
são as pragas que assolam a gerência. Esses atos de fala precisam ser explicitados e isso é responsabilidade dos métodos e ferramentas de gerência.
Analisando o Scrum podemos ver que ele atende perfeitamente as condições de Flores, explicitando os atores e cada uma das fases.
Primeiro ele exige que existam esses dois atores, o cliente e o executor. Claramente o cliente no Scrum é o Product Owner, enquanto o Time é o fornecedor. Não há necessidade que essa conversação seja feita por apenas duas pessoas e podemos aceitar o Time claramente como o segundo ator. Porém também devemos entender que o Time entra na conversação como um “todo”. Assim todos são responsáveis por suas promessas.
Uma história de usuário no Product Backlog corresponde a um pedido do cliente. Quando esse pedido é estabelecido inicia-se o que Flores chama de estágio de negociação. O objetivo dessa negociação é que cliente e executor concordem nas Condições de Satisfação, outro termo específico que significa as condições que tem que ser preenchidas pelo executor, muitas delas inicialmente implícitas. É importante que o executor entenda os interesses reais do cliente em relação à tarefa. Um bom exemplo usado no livro é o cliente solicitar ao executor que passe o grampeador. Caso o executor passe um grampeador sem grampos ele provavelmente cumpriu exatamente o que o cliente pediu, mas como não atendeu as verdadeiras expectativas do cliente, i.e. grampear folhas, seu trabalho foi inútil.
Quando o Time aceita uma história do usuário no Sprint Backlog ele está fazendo uma promessa. Nessa promessa ele se compromete a atender todas as condições de satisfação dentro do prazo combinado com o cliente (no caso, o fim da Sprint). A promessa termina o estágio de negociação e muda o universo. Agora o cliente espera que a promessa seja cumprida e vai agir no futuro confiante disso.
Com a entrega o executor avisa ao cliente que terminou o seu serviço. Mas isso não encerra o processo, pois o cliente tem que poder verificar se o serviço foi feito e dar o aceite. Esses dois passos são feitos na Reunião de Revisão.
Vemos então que com seus poucos mecanismos o SCRUM garante que todas as ações combinadas entre as partes passem pelos quatro estágios que Flores considera essenciais para uma boa coordenação de ações.